Ontem, enquanto deslizava pelo mural do Facebook, encontrei um comentário de uma velha amiga minha que dizia estar entediada das vidas que se vivem através do Facebook, entediada das pessoas felizes, ricas e saudáveis, entediada dos copos de Gin, da zumba, das montras, dos fúteis e dos que carregam só bagagem de mão. Terminava dizendo que uma boa dose de oncologia no Hospital da Universidade de Coimbra não faria mal a muita gente.
Aquilo deixou-me triste e pensativa durante o resto do dia. Não quero aqui fazer nenhum papel moralizador ou crítico ao que esta minha amiga está a sentir neste momento da sua vida e que a levou a desabafar deste forma, num "perfil social" que também ela escolheu ter.
O que quero aqui é fazer um esforço introspectivo acerca do que sinto em relação a isto, do que nos leva a ser uma coisa ou outra ou coisa nenhuma, o que nos leva a escolher isto em detrimento daquilo, o que nos leva a escolher sermos mais ou menos felizes.
Percebo que a vida tem tanto de bonita como de injusta, que às vezes a nossa tristeza nos contagia de tal forma que facilmente tendemos a julgar tudo e todos com base no que, no imediato, nos parece óbvio.
E melhor percebo quando a razão da nossa angústia e impotência se deve à circunstância de ter alguém que muito amamos a sofrer à má sorte de uma doença.
Percebo a minha amiga tão bem quanto me é possível perceber neste momento em que, também eu, me vejo numa situação idêntica à dela, em que as lágrimas despontam sem aviso, em que o coração mingua a dimensões quase impossíveis, em que o mero exercício de imaginar a nossa realidade sem aquela pessoa nos deixa sem espaço, tempo ou forma de existir, ali, numa zona de ninguém, vazia, desalmada e só.
Percebo-a, sim, sobre e dentro da pele.
Mas será que o tamanho da nossa tristeza nos coloca na posição de poder "desprezar" a felicidade dos outros? E que felicidade é essa, a da vida dos outros?
Podemos nós, através do perfil social do Facebook ou de outra rede qualquer, arrogarmo-nos saber tudo quanto há para saber sobre determinada pessoa, quais intérpretes literários de vidas que não a nossa?
Tenho 40 anos e, como calculam, já vivi montanhas de coisas, montanhas de erros, mil desamores, mil escolhas tortas, montanhas de dificuldades e outras tantas tristezas. Sou, como todos nós, uma mundo complexo de coisas.
Mas também sou um mundo de coisas felizes, um mundo de coisas simples, um mundo inteiro de coisas que aprecio.
Sou sim.
Estou convicta de que a minha vida é melhor agora do que foi antes. Não por nada, talvez por tudo, mas principalmente pela forma como fui aprendendo a alimentar a minha cabeça.
Hoje já não lhe dou comida estragada, passado, erros ou trágicas experiências, essas gorduras opacas que me fixam num patamar mais escuro, sem luz directa e bafiento.
Já vos disse aqui que cada dia é uma vida inteira e, talvez por isso, não perca muito tempo a desejar que seja Verão ou Inverno, que venham as férias ou o fim de semana.
Gosto do que tenho, de ler, de dar afecto, de beijos e de abraços, gosto de passear o cão, de beber um gin (porque não?) de caminhadas, de sapatilhas e saltos altos, goste de ouvir rock aos berros e gosto de pôr na mesa, mesmo sem convidados, os guardanapos de pano e a melhor loiça.
A vida é difícil e sempre vai ser, acreditamos nós. Mas vamos acreditar também que a vida é para viver, com o que temos, com simplicidade, inteligência e curiosidade pelo que vem, por nós e pelos outros.
Disse-vos aqui que se calhar não voltaria. Estava e estou triste e tenho medo.
Mas a verdade é que por mim, pelo meu pai, pela minha família, não quero estar triste. Quero, isso sim, continuar a sorrir com facilidade e a fazer as pequenas coisas que me fazem feliz, como é o caso deste blog e da vossa companhia. Quero continuar neste exercício de me alimentar com o que me faz bem e desintoxicar do que nem por isso.
Por isso posso dizer que vos (me) menti e que vou continuar a estar por aqui.